sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

AUTO BIOGRAFIA: TOHEI SOUSHU PART-2

Conhecendo Morihei Ueshiba

AJ: Quando o senhor entrou para o Ueshiba Dojo?

Tohei Sensei: Acho que foi em 1940. Kisaburo Osawa entrou cerca de uma semana depois.

Eu pensava no quanto era pobre o estado de coisas, tanto que eu podia treinar por minha conta por um par de semanas e voltar e lançar todos no dojo de judo. "Por que me aborrecer com uma arte marcial como essa? Pensei. Foi quando conheci Ueshiba Sensei. Shohei Mori, um dos meus seniores no clube de judo e que trabalhou na Manchurian Railway, me contou a respeito de um professor com uma forma fenomenal e me perguntou se eu gostaria de conhecê-lo. Deu-me uma carta de apresentação e eu fui.

Ueshiba Sensei estava fora quando cheguei ao dojo e fui recebido por um uchideshi chamado Matsumoto. Perguntei a ele o que era o Aikido afinal. Ele respondeu, "Dá-me a sua mão e eu mostrarei." Eu sabia que ele ia fazer alguma coisa comigo, assim estendi a minha mão esquerda ao invés da direita. Ficando com a direita livre, eu queria manter a minha mão mais forte na reserva. Ele agarrou meu pulso e aplicou um nikkyo contundente. Eu não havia fortalecido aquela parte do meu corpo, assim foi agonizante. Tenho certeza de que fiquei pálido, mas eu não ia deixar que ele levasse a melhor, assim aguentei a dor tanto quanto pude. Então desferi um soco com a minha mão direita e ele ficou perturbado e largou.

Eu comecei a pensar que se o aikido era aquilo, deveria esquecer e voltar para casa. Foi então que O Sensei retornou. Mostrei minha carta de apresentação  e ele disse " Ah, sim, de Mr. Mori..." E então, como demonstração, começou a arremessar um dos maiores uchideshi pelo dojo.

Pensei que aquilo parecia algum tipo de farsa até que Ueshiba Sensei me disse para tirar o casaco e ir até ele. Assumi uma posição de judo e me movimentei para agarrá-lo. Para minha grande surpresa, ele me arremessou tão suave e velozmente que não pude sequer imaginar o que havia acontecido. Soube na hora que era aquilo que eu queria fazer. Pedi permissão para me inscrever imediatamente e comecei a ir ao dojo todos os dias, a partir da manhã seguinte.

Achei o treinamento muito estranho e misterioso, e estava ansioso para saber como as técnicas eram feitas. Quando alguém usa força para lançar você, há sempre alguma coisa que você pode fazer para reagir ou contra-atacar. Mas a estaria o diferente quando a pessoa não está fazendo nada em particular e você continua a ser arremessado. Pensei, "Uau, isso sim!"

No começo eu não tinha idéia do que estava acontecendo. Até mesmo colegiais podiam me atirar sem qualquer problema. Achando tudo aquilo bastante impar, tentei agarrar mais e mais fortemente, mas é claro então que eu era apenas lançado com muito mais facilidade.
 
Ao mesmo tempo, eu continuava a treinar no Ichikukai (veja a entrevista com Hiroshi Tada para mais informações). Eu costumava ficar lá a noite inteira praticando zazen e misogi. O treinamento se dedicava a alcançar um estado iluminado no qual tanto o corpo como a mente se tornassem inteiramente livres de restrições. Era exaustivo e depois disso eu ia praticar aikido, quase morto de cansaço. Para minha surpresa, descobri que nesse estado, as pessoas que sempre podiam me arremessar ficavam completamente incapazes de fazé-lo! Além disso, eu não precisava fazer muito esforço para arremessá-los. Todos acharam estranho e diziam coisas como, "O que está acontecendo com Tohei?. Ele "pula" a prática e volta mais forte do que nunca.!"

È bem mais dificil ser arremessado por alguém se você esvazia a sua força e também é muito mais fácil arremessar seu oponente. Pensei sobre O Sensei e compreendi que ele, sem dúvida, praticava o seu aikido relaxado. Foi quando de repente entendi o verdadeiro significado do "relaxamento".

Meu aikido continuou a progredir a medida que eu continuava com o meu misogi e zazen. Cerca de seis meses depois, eu estava sendo até mesmo mandado para ensinar em lugares como a academia da policia militar em Nakano e em outras academias particulares (juku) de Shumei Okawa. Ninguém exceto Sensei podia me arremessar. Levou apenas meio ano para me tornar capaz de obter aquele grau de habilidade, assim pensei que levar cinco ou dez anos era devagar demais.

Mesmo hoje a maioria das pessoas estão lutando para aprender as técnicas ao máximo, mas eu aprendia a respeito do ki desde o começo.

AJ: Quando foi que o Senhor entendeu que O Sensei havia dominado a "arte do relaxamento"?

Tohei Sensei: Provavelmente foi quando ele vivia em Ayabe e estava profundamente envolvido com a religião Omoto. Ueshiba Sensei sempre contava uma estória sobre um dia em ele estava em pé próximo a um poço se enxugando depois do treino quando de repente entendeu que seu corpo se tornara perfeito e invencível, e compreendeu com uma clareza notável o significado dos sons dos passaros e insetos e tudo o mais ao seu redor. Aparentemente, esse estado durou cerca de cinco minutos, mas acho que foi quando ele dominou a arte do relaxamento.

Infelizmente, ele sempre falava sobre essa experiência usando expressões religiosas, que eram mais ou menos incompreensíveis para os outros.

Antes da guerra, Sensei ensinava no Naval Staff College, onde tinha por aluno o Príncipe Takamatsu (um irmão mais novo do Imperador Showa). Em certa ocasião, o Principe apontou para Ueshiba Sensei e disse, "Tente levantar aquele senhor ". Quatro fortes marinheiros tentaram de tudo para levantá-lo, mas não conseguiram.

Sensei disse na época, "Todos os espiritos divinos do Céu e da Terra entraram em meu corpo e eu me tornei imóvel como uma rocha". Todos entenderam literalmente e acreditaram nele. Eu o ouvi dizer esse tipo de coisa centenas de vezes.

Por meu lado, nunca tive seres divinos entrando em meu corpo. Nunca pus muita fé nesse tipo de explicação ilógica.

Uma vez quando estava com Sensei no Havai, havia uma demonstração em que se esperava que dois fortes alunos havaianos tentariam me levantar. Eles sentiam que não conseguiriam, assim não estavam muito preocupados. Mas Sensei, que observava, levantou-se dizendo, "Parem, vocês podem levantar Tohei, podem levantá-lo!!. Parem, façam-nos parar! Esta demonstração não está boa!"

Sabe, eu fiquei na rua bebendo até três horas da manhâ na noite anterior e Sensei sabia das condições em que voltei para casa. Ele disse, "é claro que os deuses não vão entrar em um bêbado como você! Se o fizerem, todos ficarão tontos!" Era por isso que ele achava que eram capazes de me levantar.

Na realidade, este tipo de coisa nada tem a ver com deuses ou espiritos. È apenas uma questão de possuir um centro de gravidade baixo. Sei disso é  o que ensino a todos os meus alunos. Isso não significaria nada se apenas algumas pessoas especiais possam fazer isso. Estas coisas têm que ser acessíveis para todos se realmente têm significado.

As pessoas com os chamados "poderes sobrenaturais" são normalmente as técnicas que podem fazer aquilo que afirmam. Os outros não podem fazer o que elas fazem e elas não podem ensinar, porque aquilo que fazem não é real; é farsa. Qualquer um pode fazer o que ensino. Elas estão vivas nas técnicas do aikido tal como são. Tudo o que você precisa saber é como fazer certo, e vê-las como poderes sobrenaturais que requerem a presença de algum deus ou outra coisa assim é um grande engano. Vejo isto como minha responsabilidade para ensinar corretamente.

A personalidade de Morihei Ueshiba

AJ: Havia algumas personalidades notáveis no dojo em 1940 ou 1941 - alguém que pudesse mais tarde fazer um nome por si mesmo?

Tohei Sensei: Não havia ninguém assim quando cheguei. Não havia alunos e raramente algum uchideshi.

AJ: Quais foram as suas impressões mais fortes de Ueshiba Sensei?

Tohei Sensei: Ele me parecia um senhor muito simpático. Sorrindo, você sabe. De muitas maneiras, ele tinha uma personalidade bastante infantil.

AJ: Temos uns poucos documentos a respeito de O Sensei, mas é ainda muito difícil conseguir uma foto dele em seu dia-a-dia. Ele conversava sobre coisas corriqueiras, assuntos de todo o dia? Nas gravações que temos, ele quase que parece ser de outro planeta.

Tohei Sensei: Sim, entendo o que você quer dizer. Certamente ele falava.

AJ: Ouvi dizer que algumas vezes, ele explodia de raiva de repente.

Tohei Sensei: Sim, isso acontecia com frequência. Ele era gentil com as mulheres, todavia. Curiosamente, sua raiva nunca era direcionada em especial a pessoa com quem se supunha, estivesse zangado. Era como se ele estivesse apenas furioso consigo mesmo, incapaz de ou não desejando dirigir sua raiva ao objeto.

Uma vez um jovem aluno chamado Kurita notou que Sensei moveu-se um pouco em sua cadeira e foi ajustá-la para ele. Sensei explodiu e pediu para saber o que ele estava fazendo. O pobre rapaz não tinha idéia do que estava acontecendo até que eu expliquei que Sensei interpretou mal a ação, tomando-a como algum tipo de brincadeira.

AJ: Qual foi a atitude de O Sensei quando o senhor começou a basear seus ensinamentos nos principios do ki?

Tohei Sensei: Ele ficou enciumado e disse as pessoas que não me dessem ouvidos. Ele dizia, "O aikido é meu, e não de Tohei. Não escutem o que Tohei diz." Ele aparecia no dojo dizendo coisas assim, especialmente quando eu ensinava um grupo de mulheres. A esse respeito, ele era bastante infantil, em sua objetividade e falta de sofisticação - muito espontaneo e inocente.

Pessoas ligadas a várias religiões vinham ao dojo e tiravam dinheiro dele , bajulando-o com nomes como "Morihei Ueshiba, o kami do aikido." Dificilmente ele gastava dinheiro consigo mesmo, mas parecia sempre estar sempre atrás de dinheiro porque continuava a desperdiça-lo com pessoas como aquelas.

Recebendo o Décimo Dan

Fui o primeiro a ser oficialmente promovido a décimo dan. Originariamente, o oitavo dan era o grau máximo, mas Gozo Shioda , do Yoshinkan começou a promover muitas pessoas. Kisshomaru Ueshiba e o Sr.Osawa decidiram que seria útil para estabelecer mais firmemente o Hombu Dojo se criassemos o nono dan, que ofereceram para mim. Disse-lhes que eu achava desnecessario criar qualquer graduação mas alta do que as que já tinhamos, mas eles insistiram que isso ajudaria a fortalecer o Hombu Dojo, assim, finalmente concordei. Comemoramos a nova graduação em Ginza, um bairro de entretenimentos. Tanto Gozo Shioda como Kenji Tomiki estavam lá.

Enquanto estive nos Estados Unidos, entretanto, cinco outras pessoas foram também promovidas ao nono dan, e eles tentaram manter o fato em segredo de mim. Pensei que não havia nada a ser feito a respeito - coisas como essa iriam fatalmente acontecer com um professor como aquele - e decidi não me preocupar com isso.

Quando voltei a Tokyo, fiquei surpreso por encontrar Ueshiba Sensei me esperando no aeroporto - a primeira e única vez que ele havia feito isso. Quando chegamos em casa, ele me pegou para uns drinques e pouco depois eu sorria e começava a ficar alegre. Ele pareceu apreciar isso e até mesmo levantou-se para fazer uma dança tradicional que o divertia. Tudo isto, é claro, era porque ele pensou que eu devia estar irritado(irado?) com o fato dele ter promovido cinco outra pessoas ao nono dan, depois de me dizer que eu seria o único. Ao ver que eu não estava absolutamente irritado a respeito, ficou de bom humor outra vez.

Dois ou três dias depois, ele começou a me pedir que aceitasse o décimo dan. Eu disse, "Sensei, por favor não me peça para fazer isso. Se o senhor fizer de mim décimo dan, isso não terá mais fim!" Ele concordou com o meu pedido e assim permaneci nono dan por um tempo. Cerca de três anos depois, entretanto, pouco antes do cancer tomá-lo, ele me pediu outra vez. Disse "Koichi-chan, por favor, aceite o décimo dan." Me senti obrigado a concordar, porque seria desrespeitoso continuar a recusar e fazê-lo implorar para que eu o aceitasse.

Não demorou muito para que as pessoas dissessem que eu não era o único a receber o décimo dan. Para evitar problemas, ofereci-me para devolver o grau, mas Mr. Osawa interveio e conseguiu que fosse colocado o numero "1" em meu certificado para atestar este, e não os outros, era oficial. Houve também uma grande festa no Akasaka Prince Hotel para celebrar a promoção.

Desde que me separei do Aikikai, ninguém mais foi admitido ao grau de décimo dan, mas tão logo parti, todos começaram a reclamá-lo.

AJ: O Senhor disse que ao começar a fundamentar os seus ensinamentos nos principios do ki, O Sensei ficou enciumado e disse a todos que não lhe dessem ouvidos. Por outro lado, ele o promoveu a décimo dan. Quais eram suas intenções ao agir assim? Ele o estava reconhecendo ou não?

Tohei Sensei: Acho que ele me reconheceu e aceitou. Ele estava bem consciente de que não havia outro igual a mim na época, e provavelmente sentiu que caso não me promovesse, não poderia promover outros. Mas por possuir aquela qualidade infantil, ele não pode esperar e foi adiante, fazendo-o de qualquer maneira.

AJ: Como Kisshomaru (filho de O Sensei e seu sucessor como  Doshu) viu a questão?

Tohei Sensei: Em principio, Kisshomaru pretendeu manter uma certa distância do Aikido. Ele teria dito, "Meu pai e pessoas como o Sr. Tohei vieram a este mundo para fazer o Aikido". Embora eu tenha nascido nesta família e com as suas tarefas, prefiro mais uma casa em uma colina da qual eu possa ir para o trabalho pela manhã e voltar a noite." Ele esperava assumir um papel mais administrativo como diretor geral da organização, mais do que ser um centro dos ensinamentos. Quando Ueshiba Sensei faleceu, o Sr. Nao Sonoda veio com uma proposta de fazer de Kisshomaru um diretor geral e de mim, o Segundo Doshu. No entanto, Ueshiba Sensei havia me pedido para fazer tudo o que pudesse por Kisshomaru, e assim fiz todos os esforços para que ele assumisse o papel que o colocava tanto como o centro dos ensinamentos como da administração, que é como finalmente funcionou.

Tive o privilégio de estar ao lado de Sensei durante as suas últimas horas. Disse-me, "Koichi-chan, é você? Quero pedir-lhe para, por favor, fazer aquilo que puder por meu filho." Respondi que embora eu nada tivesse com aquilo, ele não tinha nada com que se preocupar. "Está bem... Peço isto a você", ele disse, e pouco depois, deu seu último suspiro.

O Sr. Sonoda sugeriu muitas vezes que eu deveria me tornar o Doshu, mas eu estava determinado a cumprir minha promessa. Para permitir que Kisshomaru assumisse um papel estável , lancei a idéia de que ele deveria ser tanto o Doshu como o diretor administrativo. Ele expressou sua gratidão por meus esforços na época, mas cerca de um ano mais tarde, sua atitude mudou. Foi exatamente nessa época que ele foi aos Estados Unidos e começou a tirar minha foto das paredes dos dojos  de lá.
Separação do Aikikai

AJ: Isso foi por volta de quando?

Tohei Sensei: Cerca de três anos depois que Ueshiba Sensei faleceu, em 1971 ou 1972. Antes disso, quase todos os dojos americanos mostravam ambas as fotos, mas Kisshomaru começou a mandar tirar a minha, colocando a sua no lugar.

Parece que o senhor gozou de um bom relacionamento durante o período imediatamente posterior a morte de O Sensei. Por que esse relacionamento se deteriorou depois?

Em 1971 , propus que ensinássemos especificamente o conceito de ki dentro do Aikikai. Senti que simplesmente ir através dos movimentos de prática das técnicas, mais ou menos num nível superficial não resultaria em Aikido, porque o aikido envolve ki. Sugeri a Mr. Osawa que criassemos uma aula de ki, como base para as pessoas no Aikido. Ele rejeitou a idéia no interesse do Aikikai, dizendo que o Aikido do Aikikai  o de Kisshomaru, e que por isso, os ensinamentos dele  é que deveriam formar o núcleo do treinamento. Compreendi que não havia espaço para ensinar nesse ambiente e perguntei se estaria bem se eu continuasse com a minha sugestão fora do dojo. Isso seria ótimo, disseram, assim sai e criei uma aula que enfocou os ensinamentos sobre o ki e não as técnicas do Aikido.

Acho que os meus ensinamentos de ki contribuiram muito para o crescimento do Aikido. Simplesmente ir e vir na pratica das técnicas do Aikido estão bem para estudantes e outros jovens, mas as pessoas mais velhas com menos vigor tendem a abandonar pouco depois. Minhas palestras sobre ki eram bem recebidas por vários tipos de pessoas, incluindo grupos de executivos de alto nível - gerentes e presidentes e pessoas assim. Entretanto, tanto Mr. Osawa como Kisshomaru encararam aquilo que eu fazia com algo tirado do Aikido.

Nos Estados Unidos, as pessoas entendem o Aikido em termos de expressões como " um questão de mente". No Japão, contudo, o Aikido é simplesmente chamado de Aikido, assim achei que era necessário estabelecer o conceito de ki também no Japão.

O Sr. Osawa era um homem muito bom e ouviu o que eu tinha a dizer. Na época, no entanto, ele se esforçava para apoiar Kisshomaru e tentou prevenir as pessoas de participarem do meu treinamento.

Eles me recusaram permissão para ensinar sobre ki dentro do Aikikai, mas eu disse que era livre para fazer o que quisesse fora. Com esse entendimento, comecei minha aula no Olympic Center. Provou ser muito popular e em três meses, cem alunos estavam inscritos. O Sr. Osawa ficou surpreso quando ouviu a respeito e veio a mim perguntar se eu estaria interessado em dar essa aula dentro do Aikikai! Fiquei muito irritado e disse que achava ser um pouco tarde para isso.

Nenhuma das pessoas que frequentavam minha aula de ki sabia qualquer coisa sobre Aikido e não estavam interessadas, na verdade, em saber, já que não era aquilo que elas vinham aprender. Isso não teria acontecido se eu pudesse ter criado uma aula de ki dentro do Aikikai para começar.
Dada a posição em que Mr. Osawa se encontrava, eu sabia que ele teve que recusar, mas acho que ele sempre se sentiu mal a respeito. Quando o quartel-general do Ki no Kenkyukai (Ki Society) foi construido na Prefeitura de Tochigi em 1990, o Sr. Osawa me contatou em particular e fez uma pequena contribuição.

Estórias do Aikido no pós-guerra

AJ: Que tipo de pessoa entrou para o Aikikai depois da guerra?

Tohei Sensei: Ensinei muitas das pessoas que hoje são professores... Tada, Arikawa, Yamaguchi, Okumura, Yamada, Chiba. Yamada ainda aparece de vez em quando.

AJ: O Senhor tem estórias memoráveis do treinamento na época ?

Tohei Sensei: Bem, nada que seja tão interessante.

Uma vez quando tomei uma bebedeira, eu treinava com Tamura, que está na França agora. Eu disse, "Veja, algumas vezes vou arremessá-lo forte, por isso, tenha cuidado." Ele deve ter subestimado minhas palavras, pois quando o arremessei , ele foi voando pelo dojo e atravessou a janela de vidro com o braço. Ele deveria ter tentado parar nesse momento, mas ao invés disso, tentou puxar o braço imediatamente e acabou se ferindo nos cacos. Quando vi o que ele havia feito, fiquei zangado e sem pensar, gritei com ele por não ter esperado até que ele pudesse tirar o braço com segurança. Me arrependi imediatamente e compreendi que era cruel gritar com ele daquela maneira, no instante do ferimento. Me desculpei, levando-o para uma noitada na cidade.

Uma outra vez, levei Tamura e Chiba para uma demonstração em Hiratsuka. Foi durante a Ocupação e por isso, a maioria das demonstrações de vários tipos de artes marciais estavam proibidas. Para uma demonstração de Aikido, no entanto, foi dada permissão e a realizamos diante do comando da guarnição naquela área. Nossa explicação do principio da não-competição no Aikido foi bem recebida e pareceu encontrar simpatia junto a audiência.

Durante a demonstração, fiz uma técnica na qual eu dei uma rasteira em Chiba com um jo. Ele próprio se ajustou para acompanhar o movimento. Mas eu detesto quando as pessoas fazem a queda desnecessaria e propositadamente assim, então eu disse a ele que deixasse de fazer coisas desnecessarias e arremessei-o com toda a minha força. Ele virou completamente de ponta-cabeça a baixo e quase veio ao chão de cabeça. Por um momento, temi ter feito algo terrível a ele, e fiquei aliviado ao ver que , de alguma forma, ele aterrissara em segurança.

Havia um aluno meu que entrou para o Aikikai e era elogiado por seu bom ukemi e acompanhava Ueshiba Sensei com frequência. Eu o usava como uke durante uma demonstração no Hibiya Kokaido (local de demonstrações de Aikido de todo o Japão antes do Budokan começar a ser usado), mas ele começou a rolar antes que eu tivesse feito o arremesso. Eu disse, "O que diabos você está fazendo, caindo antes mesmo de começar a lançá-lo? Saia daqui!" Havia muitos espectadores presentes e acho que eles ficaram bem surpresos, mas foi também uma oportunidade inesperada para que vissem que as técnicas do Aikido não são uma farsa nem tampouco pré-arrajandas.

Quando eu estava com quarenta e nove anos, fiz um filme educativo de no qual pessoas como Masando Sasaki e Seishiro Endo aparecem como meus uke. Endo apareceu também num livro chamado Shinshin Toitsu Aikido, que  é, na maior parte, de fotografias. Ensinei Saotome e Ichihashi também, vez ou outra.

AJ: O senhor tem alguma anedota interessante da época posterior a sua saída do Aikikai?

Tohei Sensei: Cerca de dez anos atrás na França, a grupo de alunos de Tamura veio para me ver. Aparentemente, Tamura pensou que devido a minha idade, eu provavelmente não estaria mais fazendo Aikido e deveria estar só trabalhando com ki. Parece que eles vieram para ver com seus próprios olhos se isso era realmente verdade e acho que também para dar uma olhada em um décimo dan. Escolhi oito deles para me atacarem em randori. Foram para casa dizendo, "Bem, parece que Tamura Sensei estava enganado!"

Compreensão de uma simples afirmação de Tempu Nakamura.

AJ: De que maneira o Shinshin Toitsu Aikido é diferente daquele do fundador Morihei Ueshiba?

Tohei Sensei: Quando fui ao Havai e tentei usar as técnicas que havia aprendido com Ueshiba Sensei, descobri que muitas delas eram ineficientes. O que Sensei dizia e aquilo que fazia eram duas coisas diferentes. Por exemplo, a despeito do fato de que ele próprio estava muito relaxado, dizia aos seus alunos para fazer técnicas contundentes e poderosas. Quando cheguei ao Havai, no entanto, havia dois sujeitos tão fortes quanto Akebono e Konishi (dois conhecidos lutadores de sumo havaianos) por todo o lugar. Simplesmente não há como usar força ou poder para triunfar contra esse tipo de força.

Quando você está firmemente imobilizado ou controlado, as partes do seu corpo que estão diretamente imobilizadas não podem se mover. Tudo o que você tem a fazer é iniciar um movimento com aquelas partes que você pode mexer, e a única maneira de fazer isso com sucesso é relaxar. Mesmo que o seu oponente o tenha preso com toda a sua força, você ainda pode lançá-lo num vazio  se estiver relaxado ao fazer o arremesso. Isto  é algo que experimentei em primeira-mão, durante aquela viagem ao Havai  e quando retornei ao Japão e dei uma outra olhada em Ueshiba Sensei, compreendi que ele, sem dúvida, aplicava sua técnicas em um estado muito relaxado.

Tohei Sensei: Enquanto estive com Ueshiba Sensei, estudava também com Tempu Nakamura. Foi ele quem primeiro me ensinou que " a mente move o corpo". Essas palavras me atingiram como um raio de eletricidade e me abriram os olhos para o verdadeiro conhecimento do Aikido. A partir desse ponto, comecei a rever todas as minhas técnicas de Aikido. Joguei fora técnicas que iam contra a lógica, selecionando e reorganizando aquelas que senti que eram utilizáveis.

Hoje o meu Aikido consiste de cerca de 30% das técnicas de Ueshiba Sensei e de 70% minhas próprias.

 Provavelmente, você pode dizer que foi no Havai que fiz o meu treinamento mais importante (shugyo). A propósito, razão pela qual fui ao Havai em primeiro lugar, foi a convite do Nishikai, um grupo dedicado ao Método Nishi de Saúde. Entretanto, suas intenções tinham a ver com competir com as minhas habilidades marciais contra alguns lutadores e para usar a renda do evento na construção do seu auditório. Não sabia disso até a véspera da minha partida e então já era tarde demais para recusar , assim me conformei e fui mesmo assim.

Os havaianos foram muito francos ao expressarem suas primeiras impressões a meu respeito. Disseram, "Nossa. Sensei, você é bem jovem, não é?" Então disseram, "Nossa, Sensei, você é bem pequeno..." Então foram direto ao ponto dizendo, "Sensei, você tem certeza de que pode realmente fazer isso?" Pensei que a ùnica coisa a fazer era mostrar-lhes que eu podia e deixar que vissem por si mesmos. Depois daquilo, todos os artistas marciais do local e lutadores se tornaram meus alunos. O Hawaii Aikikai foi fundado oito meses depois e me fizeram um capitão honorário vitalácio da força policial local. Ueshiba Sensei nunca foi testado dessa forma em sua vida inteira.

AJ: Gostariamos de perguntar a respeito de técnicas com armas. No Aikikai Hombu Dojo há alguns shihan que afirmam que o Aikido moderno não tem técnicas com armas. Por outro lado, há professores como Morihiro Saito que integram as armas ao ensino de técnicas desarmadas (taijutsu). Na sua visão, as técnicas com armas são parte do Aikido ou não?

Tohei Sensei: Dizer que não há técnicas com armas em Aikido é ridiculo. As pessoas dizem isso porque não as conhecem. Venha ver o que fazemos com as armas na Ki Society. Há também um vídeo educativo. Que no Aikido existem técnicas com armas é apenas senso comum e é uma vergonha que as pessoas digam o contrário. Fico pensando, ser eu  que devo ir lá e ensiná-los?

O Sr. Yoshio Sugino (Dojo-cho do ramo do Kawasaki Aikikai, Yushin Dojo, e décimo dan em Katori Shinto-ryu) assistiu a um dos nossos exames de treinamento físico. Vendo as técnicas com armas dos nossos membros, ele os elogiou a técnica com armas dos membros da ki society.

AJ: Tohei Sensei, agradecemos por seu tempo em conversar conosco.

(Excerto do Aikido Journal, ed. #107 - Traduzido por Emy Yoshida - Dojo Central)